domingo, 20 de junho de 2010

História, Literatura e Patrimônio



Por Nóris Mara Pacheco Martins Leal
Professora do bacharelado em museologia da Ufpel
Coordenadora da 7ª Região Museológica do SEM-RS

Este é um exercício de reflexão e um desafio de aproximar o tema história e literatura com o tema patrimônio. A proposta que parece ousada reflete aquilo que já vem sendo pensada por outros autores, como por exemplo, Ulpiano Bezerra de Meneses e Mário Chagas.

Como nos diz Chartier a relação entre literatura e história pode ser entendida de duas maneiras, uma que enfatiza uma aproximação plenamente histórica dos textos; e outra que ao contrário “descobre em alguns textos literários uma representação aguda e original dos próprios mecanismos que regem a produção e transmissão do mistério estético”. Ele, ainda, determina categorias fundamentais “que organizam a ordem do discurso literário moderno” quais são: “O conceito de obras, com seus critérios de unidade, coerência e persistência; a categoria de autor, que faz com que a obra seja atribuída a um nome próprio; e, por último, o comentário, identificado com o trabalho de leitura e interpretação que traz à luz a significação já presente de um texto.”

A questão da autoria é um dos pontos mais importantes para trabalharmos neste momento de aproximação literatura e patrimônio aqui proposto. “““ “““ Chartier citando Foucault analisa a função do conceito autor, para tanto o autor seria “uma função do discurso”, também, é “característica do modo de existência, circulação e funcionamento de certos discursos no seio de uma sociedade”“.” Se” a função-autor é o resultado de operações específicas e complexas que referem a unidade e a coerência de uma obra, ou de uma série de obras, à identidade do sujeito construído.”

Quando estudamos a definição de patrimônio cultural de uma nação, a questão de autoria é muito presente nos diversos projetos que definem aquilo que é ou não considerado como importante para ser alçado a categoria de patrimônio.
José Reginaldo trabalha a invenção discursiva do Brasil, produzida pelos intelectuais que organizam as propostas públicas, a este respeito.

Segundo ele, estas possuem como propósito a construção de uma “identidade nacional” por intelectuais os quais possuem propósitos pragmáticos políticos. E a “nação pode vir a ser construída discursivamente enquanto uma literatura, enquanto uma língua nacional, enquanto uma raça, um folclore, uma religião, um conjunto de leis, enquanto uma política de Estado visando à independência política e econômica, ou, ainda uma política cultural visando a recuperação, defesa e preservação de um patrimônio cultural” Todo esta produção devemos pensá-la como produtos de ação humana histórica e sócio-culturalmente situadas.

O autor usa a idéia de narrativas nacionais, produzidas pelos intelectuais a respeito do patrimônio cultural, os quais defendem a apropriação deste como forma de uma nação desenvolver a sua identidade e a sua definição de memória nacional. No entanto, nestas narrativas não ficam claras as perdas, ou as escolhas, estas estão fora dos discursos, que defendem uma ilusão de que a cultura nacional é algo integro e idêntico a si mesmo.

Assim como na literatura, a narrativa, “não é mais imitação, mas invenção. O novo texto, estranho, surpreende, não se situa mais na ordem da representação, mas da ilusão.”

Nesta linha, José Reginaldo vai usar, ainda, a idéia de patrimônio como alegoria que o sentido da palavra já diz que é “uma forma de representação onde recursos dramáticos, literários ou pictóricos são usados para ilustrar concretamente uma idéia ou princípios morais e religiosos. (...) representa uma coisa com o propósito de significar outra, (...) é um gênero literário que pode ser entendido como uma estória narrada sobre uma situação histórica presente, na qual existe um forte sentimento de perda, transitoriedade, ao mesmo tempo em que existe um desejo permanente e insaciável pelo resgate de um passado histórico ou mítico, além de uma permanente esperança de um futuro redimido.”

No Brasil, os intelectuais nacionalistas narram histórias sobre a apropriação do patrimônio cultural, justificando-as pelo perigo das perdas e com o fim primeiro de construir a identidade do país.

O autor ainda trabalha a questão das estratégias utilizadas para a invenção do patrimônio, assim como da nação brasileira e para a eleição dos intelectuais como “guardiões desse patrimônio”, que assim o são considerados pela sua “autenticidade” ou pelas condições que possuem para expressar o que é patrimônio ou não, e definir através de seu engajamento as políticas públicas para o setor.

A sua inserção nos órgãos governamentais vão selar e confirmar as suas decisões, transformando o desejo no real, a partir do registro nos Livros Tombos dos Institutos de Patrimônio. “O real não é não pode ser senão o que dizem os livros. Para eles a representação do mundo se fez mais real que o próprio mundo, a biblioteca mais universal que o universo.”

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